Comunidade de amor

Poder-se-á qualificar, realmente, o matrimónio como comunidade de amor? Convivem os cônjuges porque se amam? Há pouco tempo, escutava as explicações de alguns homens e mulheres casados que não queriam separar-se do seu cônjuge após 10, 20, 40 anos. Um professor de educação física disse, por exemplo, que se sentia bem no seu casamento, pois podia fazer o que queria: a sua mulher não se aborrecia se ele chegava tarde a casa, nem sequer lhe perguntava onde tinha estado. Naturalmente, ele também lhe dava, a ela, a mesma liberdade. Além disso, ela ocupava-se tanto da casa como dos filhos. Que mais podia ele exigir? A mulher de um empresário afirmou que tinha tido muita sorte com o seu casamento. O marido ganhava muito e, por fim, podia seguir o estilo de vida de que gostava. Agora tinha tempo suficiente e dinheiro para satisfazer todos os interesses culturais. E uma executiva muito ocupada comentou que o marido e ela estavam bem: ele cozinhava todos os dias menos nos fins de semana que lhe pertenciam a ela. Mas em troca, ela fazia as camas e o pequeno almoço. Certamente já devem ter ouvido em muitas ocasiões, tais conversas. E, como eu, não terão a menor dúvida de que se trata de relações nas quais os cônjuges se esforçam por ser simplesmente correctos no seu comportamento, embora, provavelmente, continuem sendo dois estranhos durante toda a vida.

Com tudo isto o que é que podemos esperar do casamento? Bastam alguns acordos e um par de normas de boa educação para que a vida do casal funcione? Devemos, em suma, ter aspirações de transformar o “verdadeiro amor” aquele com que toda a gente sonha, numa harmonia agradável?

(…)

Pretende-se gozar, beneficiar, ser acarinhado. O amor e o matrimónio parecem incompatíveis entre si. Em muitos filmes, novelas e histórias e em comentários e piadas da literatura popular, o matrimónio é visto como um engano, uma prisão e inclusivamente como um manicómio ou um inferno. E sabemos muito bem que assim o vêem muitos dos nossos contemporâneos. Por isso, seremos aplaudidos com euforia em certos ambientes, se falarmos desdenhosamente do matrimónio. O pessimismo é contagioso, mas o cinismo ainda o é mais. Não obstante, considero mais nocivo limitar as esperanças por excesso de prudência a exceder-se por um excesso de optimismo. Evidentemente, não devemos fechar, sem mais nem menos, os olhos às dificuldades, mas também não devemos fixá-los nos problemas pois isto levar-nos-ia a pôr o matrimónio de lado desde o princípio. Além disso, não convém deixarmo-nos enganar ou levar pelas aparências: há hoje, com certeza, contemporâneos nossos que vivem felizes no seu casamento. O seu número não é tão pequeno como pode por vezes apresentar-se. Trata-se de pessoas que têm o desejo de criar algo belo e grande com a sua união, e não têm medo do compromisso.

Refiro-me ao compromisso autêntico, e não à aprendizagem de umas regras de jogo superficiais. O verdadeiro esforço supõe uma revisão contínua de nós mesmos e das nossas próprias atitudes. Creio que, em primeiro lugar, não se trata do que fazer, mas de como se tem de ser para ter um casamento feliz. No matrimónio, o homem e a mulher chegam a formar uma nova união existencial, donde advém a necessidade de conservar a própria interioridade, de combater o próprio egoísmo, o despotismo e a inércia do coração, para que o mal não passe para o outro e o contagie ou contamine. Se existir uma disposição pessoal para melhorar um só, também se poderá, de uma maneira geral, melhorar a vida conjugal.

(Jutta Burggraf, in O desafio do amor humano)

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