No tempo dos meus pais, quando em cada aldeia deste país, por mais escondida que estivesse na encosta de uma serra, havia pelo menos vinte ou trinta crianças na escola primária, a escolaridade terminava, na esmagadora maioria dos casos, na quarta classe.
Com a conclusão da quarta classe as crianças sabiam ler, escrever e contar e sabiam igualmente de cor os nomes dos rios e dos seus afluentes, das serras e das linhas férreas de norte a sul do país. Por outras palavras, dominavam a língua materna, a matemática básica e conheciam, pelo menos no mapa, o país onde viviam. Eram estas as ferramentas que lhes eram dadas para lutarem pela vida. E tudo isto era conseguido com enormes sacrifícios, pois naqueles tempos a vida, sobretudo nos meios rurais, não era fácil, e não raras vezes antes da ida para a escola os mais novos ainda tinham de ajudar os pais nas lides do campo ou da casa. Só depois seguiam para a escola, munidos de uma sacola de pano ou serapilheira onde levavam uma lousa, giz, a tabuada e pouco mais. Na escola esperava-os uma sala de aula sem qualquer conforto, com um estrado de onde o professor dava a aula, e nas paredes um mapa de Portugal, as fotografias dos governantes da pátria e um crucifixo. Não havia placards com desenhos coloridos nem cartazes. A tudo isto juntava-se um método de ensino básico e austero, assente em grande parte no medo das reguadas. Admiro, pois, a vontade que estas crianças tinham em aprender a juntar as letras e a somar dois mais dois. Admiro a capacidade com que souberam, mais tarde, já adultos, ultrapassar as dificuldades da vida e proporcionar a toda uma nova geração (a minha) uma janela de oportunidades incomparavelmente maior.
Na história do nosso país a geração dos meus pais foi aquela que, inquestionavelmente, teve de lidar com o maior conflito de gerações e salto educacional: foram eles que fizeram a ligação entre um analfabetismo quase global da geração dos meus avós e uma geração de doutores e engenheiros.
(Luís dos Anjos)