“Fazer amor”
Casamento e acto conjugal
Quando homem e mulher se amam a sério, entregam-se um ao outro para sempre e isso é o matrimónio. Então tem sentido a expressão corporal dessa entrega total, que é o acto conjugal, que por vezes designamos como “fazer amor”.
Na realidade, fazer amor, de verdade, só é possível dentro do casamento, porque só quando duas pessoas se entregaram já totalmente, esse acto é verdadeira expressão do amor total. Se não houve entrega da própria vida mediante o matrimónio, não pode haver expressão autêntica de uma entrega que ainda não existe. O acto sexual fora do matrimónio é uma mentira total. Pelo contrário, se “fazer amor” é amar a sério, expressão da entrega total de um homem e uma mulher para toda a vida, então é algo nobre, santo e bom.
O que é casar-se
Neste momento pode ser difícil entender por que está reservado o acto sexual à intimidade da vida matrimonial. Para perceber isto, há que entender antes o que é o matrimónio. Actualmente muitos interpretam o casar-se como uma mera burocracia, um simples documento que nada tem que ver com a realidade do amor. Este erro é compreensível quando a introdução legal do divórcio suprime o reconhecimento legal duma entrega para sempre.
Vejamos: se, segundo a lei, qualquer casal se pode divorciar, então a lei não reconhece a existência de um verdadeiro matrimónio para sempre. Casar-se é entregar-se para sempre, é como atirar-se sem pára-quedas: uma vez que se saltou, já não há remédio. O casar-se com a possibilidade legal de divórcio é como atirar-se com pára-quedas E isto quer dizer que não há diferença real entre o que se chama casar-se e a simples união de um casal. Um e outro estão juntos enquanto lhes der na cabeça e, quando quiserem, separam-se e é como se nada se tivesse passado.
Na realidade, se um casal quisesse receber um reconhecimento civil da sua entrega para sempre, teria de conseguir antes uma lei que reconhecesse essa realidade, o que, de momento, não existe em muitos países. Do mesmo modo que diversos colectivos lutam por obter um reconhecimento jurídico da sua estranha relação, também o casal que quiser casar-se para sempre deverá lutar por uma lei de “matrimónio de alto risco”, que reconheça que se entregaram irrevogavelmente. Enquanto não existir essa lei, não existe, na realidade, a figura jurídica do matrimónio civil. A partir da introdução do divórcio, o que se chama matrimónio é o mesmo que uma união temporária, com reconhecimento jurídico.
Com esta situação legal e socialmente aceite, é lógico que o casamento se interprete como um acto sem valor ou como uma celebração social que não afecta a realidade do amor. Mas o casar-se não tem nada a ver com uma celebração ou com uns papéis. Casar-se não é outra coisa que a entrega mútua de duas pessoas para sempre. Os papéis não são senão uma expressão externa dessa realidade interior que se consuma na intimidade da vontade e se exprime na intimidade do corpo.
O compromisso irrevogável da vontade
Se percebemos o que é o enlace matrimonial damo-nos conta de que é uma nova realidade: as vontades de ambos os cônjuges comprometeram-se irrevogavelmente. E se uma pessoa se entregou desta maneira, sucede como com o que se atira sem pára-quedas: ou se atirou ou não se atirou, mas, se se atirou, já não pode voltar atrás. Isto ajuda-nos a distinguir entre o acto do matrimónio, que é uma realidade que surge pelo consentimento das vontades, e os papéis, as cerimónias e as festas.
Pode dar-se o caso de ter havido cerimónia, papéis, festa, inclusive celebração religiosa do matrimónio e que, na realidade, não tenha havido matrimónio, porque faltou a essência, que é a decisão dos cônjuges de entregar-se um ao outro para sempre, para terminar nos filhos. Por exemplo, no caso de um dos noivos querer simplesmente tirar proveito do casamento, mas não querer comprometer-se para sempre.
Em certas ocasiões, isto deixa-se explicitamente escrito numa declaração perante o notário, de maneira que, mais tarde, a parte culpável pode demonstrar judicialmente que houve engano e, portanto, não está casada. Nesses casos, também a Igreja Católica, depois de um processo judicial, declara que aquele hipotético matrimónio nunca existiu e que as partes são livres. E se a parte culpável se arrepende daquele engano, deverá repetir a cerimónia perante o sacerdote, porque o contrato anterior nunca existiu nem existe. Se quer estar casado, terá que casar-se agora.
A mentira da relação pré-matrimonial
Se se compreende esta realidade da entrega matrimonial, entende-se também que não é o mesmo haver relações sexuais antes de se casarem ou depois. Se ainda não se casaram, então não se comprometeram. Imaginemos que, no dia seguinte a essa relação, a outra parte tem um acidente e fica terrivelmente desfigurada. Se não me entreguei mediante o matrimónio, “na saúde e na doença”, posso colocar a mim próprio a possibilidade de, com o tempo, refazer a minha vida com outra pessoa. Mas se me entreguei, tenho uma obrigação de estrita justiça para com o outro: na saúde e na doença, o meu coração e o meu corpo são seus, até que a morte nos separe.
Antes do matrimónio, pode existir a realidade do apaixonamento e a intenção de entregar-se. Contudo, não existe a realidade do amor e da entrega livremente assumidos para sempre. Por isso, “fazer amor” é verdade e portanto bom, mas só depois do casamento, que não se fundamenta na celebração externa mas sim no acto da vontade dos que se entregaram para sempre.
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(Mikel Gotzon Santamaría Garai, in Saber Amar com o Corpo)