Quantos filhos?

É pelos filhos que os esposos se superam a si mesmos e superam a sua felicidade. A condição da grandeza moral é superar-se. E são principalmente os filhos que estimulam os esposos a esta grandeza.

Os esposos sem filhos correm o risco de fechar-se num egoísmo a dois, por vezes muito mais perigoso que o egoísmo solitário, por mais subtil e mais facilmente colorido duma aparente dedicação pelo outro cônjuge. O filho introduz na comunidade um terceiro membro que obriga continuamente a renunciar a preferências. Introduz, pois, na vida conjugal o elemento de sacrifício que toda a pureza moral postula, mas introdu-lo com um tal potencial natural de afeição que o sacrifício pelo filho se torna um sacrifício amado. Esta é a razão por que muitos daqueles a quem repugna o sacrifício em qualquer outra matéria, o aceitam logo que se trata de um filho seu. O filho é a escola do sacrifício para a imensa maioria da humanidade, a única capaz de a elevar a um certo nível de pureza.

Mas, para aprender a dar-se deste modo, um único filho é muitas vezes ineficaz. É-o quase sempre, quando é voluntariamente único, porque os pais que só querem um filho, só o querem para si próprios: o filho único é o filho do egoísmo.

Os pais que querem um filho, e não querem mais nenhum, desejam-no para satisfazer a sua vontade de continuar-se, para animar as suas vidas com uma presença jovem. E como estes sentimentos se satisfazem fundamentalmente com o primeiro filho, sem que este lhes imponha muitos sacrifícios, o filho, nestas condições, só oferece vantagens. E o mesmo se pode dizer do segundo. Há muitos esposos que quereriam ter um filho e uma filha, e procuram tê-los, dispostos, porém, a não continuar a experiência se o primeiro resultado não é satisfatório porque, se têm mais de dois filhos, arriscam-se a ter de se arrepender.

O filho único não revolve a vida dos pais; enxerta-se nela. Decora-a e anima-a. Desempenha, de uma maneira incomparavelmente superior, a função que o cão ou o gato desempenham nas casas das pessoas sem filhos, e dão, além disso, aos esposos a alegria de se perpetuarem. Sob o ponto de vista do egoísmo, o filho único, ou mesmo o filho e a filha, são a maior felicidade que o homem pode alcançar, e não obrigam ao esquecimento de si próprio a não ser na medida em que com isso se encontra uma nova fonte de prazeres mais refinados.

É geralmente com o terceiro filho que o peso da paternidade começa a fazer-se sentir, sem a compensação de um prazer proporcionado, porque esse prazer não aumenta apreciavelmente com três filhos em vez de dois, ao passo que o peso continua a aumentar. A alegria de uma família numerosa é uma alegria essencialmente moral, que só pode saborear-se quando se possui um certo nível de pureza. Aqueles que só pensam em si próprios e para quem a felicidade se reduz a prazeres materiais ou a satisfações de vaidade ou de orgulho, não apreciam a alegria generosa de ver multiplicar-se a vida à sua volta, e por meio deles.

Pode dizer-se que o filho só é moralmente útil aos pais na medida em que lhes impõe renúncias. E a vida dos pais de família numerosa pede inúmeras renúncias, a começar, para a mãe, pelos incómodos da gravidez e as dores de parto. Mesmo os pais suficientemente ricos para terem quem os sirva, precisam de modificar o seu teor de vida quando têm numerosos filhos.

Certamente, conhecem-se pais que dão filhos ao mundo com prodigalidade e desinteressam-se deles, abandonando-os à rua e à escola, nas classes populares, ou a assalariados, nas classes aristocráticas. São, claro está, maus pais. Mas é impossível que os pais se ocupem dos seus filhos, mesmo que não tenham mais de três ou quatro, sem que sejam obrigados a viver de um modo diferente daquele em que viveriam se os não tivessem.

A família numerosa impõe, por isso, aos pais uma transformação da sua vida. São disso recompensados pelas alegrias que vêm depois, mas, de momento, essa transformação impõe-lhes renúncias, e na trama da existência quotidiana, o sacrifício de mil pequenas facilidades. Mas é isso precisamente o que os obriga a elevarem-se acima de si próprios.

Dizer que o valor moral da paternidade e da maternidade começa quando o filho impõe mais sacrifícios do que as alegrias sensíveis que dá, é apenas verificar que a regra moral habitual da purificação pelo sacrifício se aplica ao matrimónio como a todas as coisas. O filho único é ineficaz para este fim, e levanta, como notámos mais de uma vez, difíceis problemas de educação.

Porque a família moralmente salutar para os pais, é-o também para os filhos. Numa família numerosa, se bem que moderadamente, cada um dos filhos tem de acertar o passo pelo passo dos outros e sacrificar os gostos pessoais em cada momento, tem de adaptar-se ao carácter dos seus irmãos e irmãs.

O filho único corre sempre o perigo de ser ao mesmo tempo mimado e asfixiado. Mimado, porque os pais, tendo-o só a ele, curvam-se perante os seus caprichos, e tudo o que fazem por ele fazem-no só para ele; asfixiado, porque vive de maneira demasiado exclusiva com os pais, os quais, desejando tê-lo consigo e podendo levá-lo a quase toda a parte sem se incomodarem, fazem dele o seu companheiro; e porque é prejudicial para a criança viver num ambiente preponderantemente constituído por pessoas crescidas. A educação do filho levanta, por isso, problemas difíceis.

Os que propositadamente não quiseram mais de um filho, raramente vencem estas dificuldades, porque são folgazões e egoístas e, por consequência, muito pouco dispostos a sacrificar-se. Para educar com êxito um filho único, é preciso ter a coragem de afastá-lo de si, de organizar-lhe uma vida entre crianças da sua idade, o que se não pode conseguir no lar. Pais que desejariam fundar uma família numerosa e só têm um ou dois filhos porque lhes foi impossível ter mais, podem, pelo contrário, ter a necessária generosidade; mas também eles terão de lutar contra a inclinação natural do coração, que os leva a desejar os filhos junto de si, a crer que são bons pais na medida em que se preocupam constantemente deles e lhes proporcionam tudo o que eles podem desejar.

O bom amor conjugal aspira à glória da fecundidade e põe nela o seu orgulho. Mas a glória da fecundidade não é uma fecundidade por conta-gotas. É uma fecundidade abundante, que aspira à abundância e pede razões, não para ter filhos, mas para limitar o seu número.

Queremos referir-nos àqueles esposos, tão numerosos nos nossos dias, que, mesmo antes do seu casamento se deixam assaltar pelo temor de vir a ter muitos filhos. É certo que inúmeras circunstâncias podem fazer com que se não tenham tantos filhos como se desejariam, que se deva mesmo em certas circunstâncias evitar tê-los; mas apenas se pode julgar de uma maneira sã acerca destes problemas quando se possui um desejo geral, vivo e generoso, de dar a vida o mais abundantemente possível. Prever com um cuidado excessivo todos os inconvenientes de um novo nascimento ou mesmo de nascimentos ainda afastados, que talvez nunca se venham a dar, é sintoma de uma alma estreita, vergada sobre si mesma, incapaz de generosidade.

Seria mais salutar o receio oposto, o de não ter bastantes filhos, o de não vir a tê-los em número suficiente para satisfazer a ambição de uma família abundante, rica de contacto entre personalidades diferentes e desenvolvendo-se no mesmo lar. Porque há muitas causas – físicas, sociais, económicas-, que impedem de ter tantos filhos como o exigiria o total desenvolvimento familiar. Mas este mesmo receio leva a admitir nos esposos outras aspirações que não a do estrito cuidado da sua comodidade.

A família numerosa não é apenas fecunda em filhos, mas também em alegrias. Não falaremos agora da felicidade que é, para os filhos, uma família numerosa.

Para os pais, não há alegrias que se possam comparar à de ver crescer no seu lar filhos que são seus, que reproduzem os seus traços, os seus caracteres, que continuam a sua tradição, segundo os diversos modos de ser dos rapazes e das raparigas, com o contraste de caracteres que se observa a par das semelhanças pelas quais os laços de sangue se manifestam. Esta alegria é acompanhada – como todas as alegrias construtivas – de desgostos e de cuidados, mas não há beleza comparável à do ser humano que se desenvolve, nem orgulho comparável ao de ter sido o seu autor.

A atitude altiva neste domínio vem ligada a todo um estado de alma, misto de altivez e de entusiasmo perante a vida, a uma pureza da alma que deseja realizar neste mundo toda a obra de beleza de que é capaz. A mulher, em particular, que mais do que o homem está ligada ao lar, sente mais do que ele, na sua alma, a perda do orgulho da maternidade e da clara visão da sua grandeza.

(Jacques Leclercq)

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