O tempo livre dos filhos

O tempo livre dos filhos, entendido como tempo utilizado em actividades fora do horário do trabalho escolar, constitui, por si só, um problema para os pais de família. Isto em relação com a ocupação deste tempo e o modo de levar a cabo as actividades que o preencham. Se pensarmos no trabalho como estado contrário ao tempo livre, poderemos acabar por falsificar a situação real. Por isso é conveniente esclarecer em primeiro lugar alguns conceitos.

Descanso e esforço

Às vezes supõe-se que uma pessoa está submetida no trabalho a uma série de determinações ou condicionalismos externos e que tais condicionalismos deixam de existir no tempo livre. De facto, a pessoa desenvolve a sua liberdade contando com tipos de limitações diversas, quer no trabalho, quer no tempo livre. Não podemos, nem é sugestivo considerar, a possibilidade de “nos libertarmos” de todo e qualquer condicionalismo porque a vida não é assim. Gastamos muito do nosso tempo num contexto social, e onde existe convivência há condicionalismos.

Logo que o menino entra na escola, tem que se adaptar às regras do “jogo “. Estas regras estão estabelecidas para permitir a convivência de muitas pessoas num mesmo local. No lar parece que existem, sem dúvida, menos condicionalismos. Mas não é exactamente assim. Num encontro informal de alguns filhos para jogar em conjunto, por exemplo, existe também uma dependência entre os participantes. Esta dependência determina em parte a actuação de cada um.

Podemos concluir que não podemos entender o tempo livre como tempo de condicionamentos, porque sempre na maior parte das actividades existe um certo tipo de dependência. A diferença entre o trabalho e o tempo livre será dada muito mais pela possibilidade de determinar que actividade se quer desenvolver. O aluno no seu trabalho não costuma ter essa possibilidade de decisão. No seu tempo livre pode definir pessoalmente alguns objectivos em relação com o seu estado de espírito, gostos, etc. No trabalho pode ter escolhido ou aceitado certos objectivos, mas, seguidamente, tem que executar actividades que implicam esses objectivos, mesmo que isso custe ou, simplesmente, não lhe apeteça. Como consequência disto, sente-se livre de determinações externas depois de tomar uma decisão. Pelo contrário, não se sente livre quando tem que actuar em função de uma decisão alheia, a não ser que aceite essa decisão como sua.

Estas reflexões podem levar-nos a entender melhor o que querem dizer os educadores quando falam em planear o trabalho escolar como um jogo. Significa exactamente que os alunos se vão sentir mais livres para decidir que actividade querem desenvolver, embora a seguir sintam tanta exigência como no caso de se encontrarem perante actividades impostas pelo professor.

Por outro lado, pensa-se erroneamente que o trabalho supõe uma actividade aborrecida e o tempo livre uma actividade de entretenimento, quando de facto a relação se pode inverter. Adiante falaremos disso.

O que até agora destacámos significa que nos encontramos na vida perante diferentes áreas de actividade: a criança no colégio, com os seus amigos, com os seus irmãos, com os seus pais, etc. Em cada uma destas áreas podem existir objectivos e consequentemente actividades impostas ou a possibilidade de tomar uma decisão em cada uma delas. Quando a decisão é livre e a actividade divertida, esse período de tempo é fecundo; se se verificar o contrário, esse momento é mais estéril.

Sabemos, sem dúvida, que temos de realizar coisas nesta vida que, em princípio, não nos darão prazer. Ao cumprir uma actividade útil, como seja em função de um objectivo educativo (melhorar), temos que utilizar a vontade, temos de nos esforçar. Neste caso, o momento fecundo encontra-se relacionado com a satisfação de ter cumprido. Todavia há outros aspectos do esforço que devemos ter em conta. O trabalho exige um esforço da pessoa que dificilmente se pode adaptar aos gostos, ao ânimo do momento, etc. Tem que cumprir mesmo que não lhe apeteça esforçar-se tanto. Não há dúvida que durante o tempo livre se pode esforçar muito ou pouco e a seu belo prazer. Pode graduar esse esforço. Não há dúvida também que existirão momentos em que se sente com o dever de se esforçar, ainda que não lhe apeteça, porque outros dependem da sua actuação, como pode acontecer numa equipa de futebol.

É evidente que existe uma relação entre esforço e fadiga, mas poderíamos citar muitos tipos de fadiga. Podemos cansar-nos, vendo durante horas seguidas a televisão (esforço da vista), ou fazendo desporto (esforço físico), ou vivendo uma situação de tensão, etc. Se houve um esforço continuado, é necessário descansar depois, embora seja suficiente para descansar dessa actividade, trabalhar noutra. Se não houve um esforço continuado, é provável que não faça falta um descanso específico.

Para a criança é necessário que exista um ambiente de confiança e uma certa serenidade por parte dos seus pais, a fim de que o lar sirva de base de distensão, ainda que nele se esforce em actividades variadas.

Resumindo, poderíamos dividir a actividade de uma pessoa em diferentes aspectos:

a) Actividade agradável com pouco esforço;

b) Actividade agradável com maior esforço;

c) Actividade pouco agradável com pouco esforço;

d) Actividade pouco agradável com maior esforço.

A actividade será agradável ou não, segundo as seguintes variáveis:

– se aparece imposta ou não;

– se coincide com os interesses da pessoa ou não;

– se coincide ou não com o estado de espírito da pessoa num dado momento;

Entende-se vulgarmente que o tempo livre bem empregue é esse tempo que uma pessoa gasta em actividades agradáveis, com pouco ou com maior esforço, e que depende principalmente do que cada uma esteja em condições de decidir sobre aquilo que queira fazer. Enquanto não sabe decidir ou decide mal, esse tempo não terá qualidade ou, se a tem será por mero acaso (é o caso das crianças pequenas que mudam de actividade constantemente), ou ocorrerá o fenómeno do aborrecimento.

Os pais devem reconhecer que não existe uma dicotomia entre trabalho e tempo livre, porque a atitude de esforço está relacionada com ambos. De qualquer modo, o esforço na actividade agradável é uma preparação para seguidamente se esforçar em actividades não tão agradáveis. Na prática, quererá isto dizer que os pais devem ajudar os seus filhos a decidir que actividades individuais ou em grupo querem levar a acabo e exigir-lhes seguidamente que as desenvolvam bem, com esforço, terminando aquilo que se começou e respeitando esse tempo o mais possível sem interrupção, a menos que seja de todo imprescindível.

Por outro lado, os pais devem reconhecer que os seus filhos necessitam de tempo para desenvolver actividades que implicam pouco esforço, e que têm como finalidade preparar o indivíduo para a seguir se esforçar noutras circunstâncias. O esforço é um dos causadores da fadiga, a qual, por sua vez, exige tempos de recuperação. Daí que as férias, tempos livres de descanso, não se devam considerar como um luxo, mas como parte intrínseca da ocupação, não só por haver necessidade de descanso como consequência da fadiga, mas também porque a actividade se converte numa resultante do descanso.

A ocupação do tempo

Vamos considerar o tempo dos filhos a partir de dois pontos de vista: 1) a distribuição de actividades no tempo; 2) as actividades individuais e as actividades em grupo. No que se refere à distribuição , haverá que ter em conta que os filhos dispõem de períodos de tempo de maior ou menor duração. Durante o período escolar, interessa-nos o tempo de que dispõem à tarde, depois de voltar a casa, e nos fins de semana. Por outro lado, também nos interessa fazer uma reflexão sobre as férias.

É lógico que durante o período de aulas, os filhos tenham de executar uma série de tarefas pedidas pelos professores e por isso não tem grande importância se as actividades tendem a ser realizadas com maior ou menor esforço.

Teremos em conta que convém que os filhos não cheguem a estar presos a nenhuma actividade em particular, como por exemplo a televisão ou a leitura. Também interessa assegurarmo-nos de que comam e durmam bem. Nos fins de semana a nossa preocupação será com certeza dirigida para objectivos de descanso e de convívio. Neste sentido, organizaremos saídas para o campo ou permitiremos que um dos filhos vá até ao clube recreativo, por exemplo. Interessar-nos-á que os filhos compartilhem a sua actividade com os seus irmãos e com os seus amigos, mas não perderemos muito tempo, exigindo-lhes um esforço especial. Também é necessário que vão adquirindo uma série de hábitos para ajudar o bom andamento da vida no grupo familiar.

Podem, sem dúvida, surgir problemas quando os filhos não podem sair de casa. Referimo-nos concretamente às chuvosas tardes de Inverno, por exemplo. Já antes mencionámos que as crianças pequenas não estão em condições de decidir o que querem fazer, por falta de iniciativa, ou por não conhecerem alternativas, afirmação que é também aplicável aos adolescentes quando os seus planos iniciais não resultam. É óbvio que compete aos pais orientá-los, o que não é fácil. Não há dúvida de que a previsão é um instrumento importante. Em cima das situações é muito possível que nos ocorra antes qualquer coisa no estilo: “porque não brincas com o brinquedo que te oferecemos pelos teus anos?”, ou “porque não vais ver televisão?”. Prevendo que vão surgir estes problemas, podemos ter outras ideias.

Essas ajudas devem relacionar-se com algo criativo, que estimule a imaginação dos filhos porque, “se não sabem o que fazer”, em princípio não darão muito de si próprios.

Talvez convenha mencionar agora o papel dos brinquedos. O brinquedo não é mais do que um meio para ajudar a criança a levar por diante uma intenção, um desejo, um impulso. Se o brinquedo consegue unicamente este último, pouco valor educativo terá. Tratam-se de brinquedos que conseguem uma reacção forte no princípio, mas a seguir não exigem que a criança ponha nada da sua parte – caso da boneca que anda e fala, mas não tem fatos para a vestir. A criança escolherá por sua iniciativa os momentos para se não esforçar. O importante é dar-lhe matéria de apoio para que esteja motivada para se esforçar durante o resto do tempo.

Neste sentido, convém orientar os filhos para que confeccionem artefactos, livros de recortes, modelos, cartões de Boas-Festas, etc. Também é interessante que façam teatro, que escrevam contos, ou mesmo uma revista sobre a família para enviar aos parentes. Se além disso lhes proporcionarmos papéis coloridos, tesouras, plasticina, tintas, lápis de cores, etc., e um lugar onde possam utilizá-los, é provável que o brinquedo chegue a ser uma ajuda mais e os pais compreenderão que oferecer um brinquedo caro não pode considerar-se um substituto do contacto na orientação dos seus filhos. Exigimos muito aos pais, mas de certeza que se encontrarão mais satisfeitos se fizerem um esforço para se organizarem neste sentido.

As férias apresentam-nos um problema diferente devido à própria extensão de tempo disponível. Parece conveniente destacar em princípio que nenhum filho necessita de dois meses para se ocupar em actividades agradáveis, de pouco esforço. Com efeito, é possível que por falta de esforço contínuo estas actividades cheguem a aborrecer e, juntamente com o aborrecimento, encontrarmo-nos perante comportamentos que tanto desagradam aos pais.

É conveniente que os filhos saibam que têm um tempo de férias idêntico ao dos seus pais, sejam duas ou três semanas, no qual podem dispor livremente do seu tempo e inclusivamente ajudar minimamente nas tarefas de casa. É óbvio que também é importante que aproveitem, de algum modo, o resto do tempo. Para os filhos mais velhos poderá arranjar-se-lhes algum emprego, estudar um idioma, participar nalguma actividade organizada que implique esforço. Os mais pequenos não podem aceitar tanta responsabilidade na maior parte dos casos mas convém estimulá-los e orientá-los para actividades que suponham um certo esforço e, em todo o caso, aumentar o número de encargos que podem ter em casa. Se tivermos em conta o que já foi dito, veremos em seguida o valor da sua participação em acampamentos, quer com a família, quer nos organizados pelo centro educativo, embora neste caso haja outros factores a ter em conta.

No tocante a actividades individuais ou de grupo, convém observar os filhos para ter conhecimento dos seus gostos pessoais. O homem tem que aprender a esforçar-se pessoalmente e em grupo. Além disso, nesta mesma ordem de ideias, também o grupo pode motivar a pessoa a esforçar-se individualmente. Pode aplicar-se aqui o que dissemos acerca das actividades agradáveis com pouco esforço… e da actividade individual ou de grupo. Se procuramos um equilíbrio entre estas possibilidades, é óbvio que o adolescente que habitualmente gasta a maior parte do seu tempo em conversas com os seus amigos, que não exigem nenhum esforço, está com certeza desperdiçando este tempo. O mesmo aconteceria no caso de outra criança que estudasse continuamente durante as férias sem dedicar nenhum tempo ao descanso.

A estas considerações podemos juntar mais dois critérios a ter em conta ao pensar no tempo livre dos nossos filhos: a actividade em grupo que cada um tem, exige ou não algum esforço à criança? A actividade individual de cada um exige-lhe ou não algum esforço?

Reconhecer sempre que faz falta tempo para descansar, para não se esgotar, para não estar preocupado com resultados, mesmo que se tenha esforçado.

O problema do aborrecimento

Em todas as actividades já mencionadas existirá sempre o perigo do aborrecimento. Reflectindo sobre os nossos filhos, ou sobre os filhos dos nossos amigos, veremos esta palavra projectada em situações reais. Estas situações podem-nos ter obrigado a exclamar algumas vezes: “que aborrecidos são!” ou “com tais filhos quem é que não se aborrece!”. J. Chozas caracteriza este aborrecimento como sendo “a exclusão do novum, como sendo a permanência perpétua no mesmo, como a impossibilidade radical do “mais” e do “melhor”, como uma atitude rotundamente negativa a um progresso infinito”.

O que resulta mais sugestivo nos jovens ou numa família é notar o seu conceito pessoal de vida. Quando falta um conceito, quando não existe uma actuação em consonância com o “mais” e o “melhor”, é notória a sua debilidade. Por isso podemos concordar com Choza quando diz:

“Não só a diversão pode ver-se afectada pelo aborrecimento, já que, inclusivamente, é-se mais vulnerável a ele do que ao trabalho, uma vez que, ao menos em determinadas formas do mesmo (trabalho), sempre fica aberta uma possibilidade para o novo “.

Se concretizarmos isto junto dos filhos de idades diferentes, veremos que o mais pequeno não carece tanto da novidade como o adolescente . Para as crianças de 6 a 10 anos as casinhas, as bicicletas, as colecções, as actividades manuais, continuam a ser as mais apreciadas, por muito que se invente mais jogos novos. O menino fica atraído pela repetição de algo que lhe custa um certo esforço. Neste sentido, construirá uma casinha, mas destrui-la-á para a voltar a construir de novo; fará uma corrida de bicicletas e voltará a fazê-la. Se a actividade for demasiado simples ou demasiado difícil, aborrecer-se-á. Por isso, os pais devem permitir que os seus filhos façam coisas diferentes, para abrirem os horizontes e não se encontrarem com “especialistas” aos dez anos.

Ao chegar a puberdade o jovem perde muitas vezes a vontade de se esforçar. Apesar de não ser agora o momento de analisarmos os problemas de cada nível, sugerimos que a actividade desportiva e a actividade em grupos organizados (clubes de jovens), podem ajudar o rapaz a determinar-se. Se não conseguirmos encaminhar positivamente as capacidades destes jovens, eles aborrecer-se-ão e, em consequência disso, manifestarão a tendência de procurar actividades destrutivas: arreliar os seus irmãos mais pequenos, estragar os seus brinquedos, atirar pedras a um gato, etc.

Por fim, parece que na adolescência o jovem carece mais de experiências novas. Já não basta aceitar, mesmo que demonstre vontade em encontrar saídas. Ainda não está em condições de descobrir coisas inéditas todos os dias entre as coisas mais vulgares, mas torna-se necessário ajudá-lo nessa busca, reflectindo sobre o que existe, deixando-o, em seguida, actuar à sua vontade.

O aborrecimento é mais forte quando a pessoa pensa que já conseguiu da vida tudo o que queria e podia e, em troca, não está disposto a devolver e a dar nada da sua parte.

Resumindo

O tempo livre dos filhos, entendido como tempo gasto em actividades fora do horário do trabalho escolar, apresentará problemas aos pais. Contudo, se se reconhecer que esse tempo não é para ser gasto unicamente em actividades sem esforço, encontrar-se-ão sempre soluções para orientar os filhos. Se os filhos não se aborrecem e se os pais não os contagiam porque eles próprios são aborrecidos, o tempo livre pode tornar-se uma preparação frutífera para o trabalho, um bom passatempo, um descanso. E quando se reconhece que o homem necessita de encontrar o equilíbrio entre actividades que implicam esforço e as que não o exigem, estamos na busca de se fazer, no futuro, uma focagem diferente da actual, ou seja, o trabalho como uma actividade não agradável que implica esforço, e o tempo livre como actividade agradável que não implica esforço.

As armas de que dispomos para combater o aborrecimento são a vontade e a capacidade de descobrir algo de novo naquilo que mais conhecemos e entre as coisas mais vulgares.

David Isaacs

Cadernos Família e Educação, nº 9

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