Homem e mulher
Mas, sobretudo, o marido tem de aceitar que a sua mulher seja uma mulher, e a mulher que o seu marido seja um homem.
Isto parece uma verdade de Monsieur de La Palisse e, contudo, merece ser dita, porque nos conduz ao âmago desse mistério dos sexos, que não podem passar um sem o outro, nem chegar a um perfeito acordo.
O homem tem necessidade da mulher e a mulher do homem e, a par disso, há entre eles uma diferença de natureza que se reflecte sobre o seu carácter e sobre todas as suas aspirações, de tal maneira que quase nunca chegam a completar-se exactamente um ao outro nem a eliminar todas as incompreensões que os separam.
E muitas das dificuldades do matrimónio advêm de não ter o marido reflectido seriamente nos problemas que nascem do facto de ter casado com uma mulher, da sua obrigação de a tratar como mulher, respeitando o seu carácter de mulher, as suas necessidades e aspirações; enquanto que, por seu lado, a mulher não pensou nunca que, pelo facto de se ter casado com um homem, o deve tratar como homem, respeitando as suas necessidades e aspirações de homem.
Casando-se, o marido assume o encargo de fazer uma mulher feliz; a mulher, de fazer um homem feliz. A felicidade de uma mulher não depende dos mesmos elementos que a felicidade de um homem e a tendência natural de cada um inclina-o a tratar o outro de acordo com as suas próprias necessidades e aspirações.
Normalmente, o homem tem mais espírito de decisão; nasceu para mandar e para acarretar com as responsabilidades; é também mais objectivo e preocupa-se mais com as realidades do que com o sentimento; em compensação, preocupa-se pouco com os detalhes e prefere lançar sobre as coisas uma vista geral. A mulher presta mais atenção aos aspectos particulares, aos detalhes, aos sentimentos. Gosta de multiplicar as suas atenções, os presentes em si mesmos insignificantes; uma flor ou um laço são, para ela, muito importantes porque traduzem uma atenção. O homem prende-se mais ao material, ao sólido; a mulher à forma, à apresentação. Se cada um deles se deixa levar pelo seu temperamento, sem se preocupar com o outro, a mulher acabará por irritar o marido, que a achará complicada; e o marido acabará por ferir a mulher, que o achará grosseiro.
O homem sente-se maior ao proteger uma fraqueza. Muitos homens, que têm na sociedade uma função subalterna, encontram no lar os elementos tónicos que lhes incutem audácia e segurança, porque, no seu lar, são os reis. Pelo contrario, a mulher sente-se elevada pelo facto de um ser mais forte do que ela lhe consagrar a sua vida, estar ao seu serviço, trabalhar para ela. O homem, normalmente, quer ser o senhor, mandar; se é ele que suporta o peso das responsabilidades, deve ser ele a decidir; a mulher, pelo contrário, gosta de sentir um senhor, gosta de sentir a força do homem, porque é tranquilizador e belo para ela que esta força se encontre ao serviço da sua felicidade; mas gosta, ao mesmo tempo, de dirigir esta força. A mulher procura levar o homem a fazer o que ela quer, mas fá-lo de um modo indirecto, levando-o, afinal, a decidir o que ela quer que decida. O grande triunfo da mulher está em dar ao homem a impressão de que é ele quem tudo decide, ao mesmo tempo que lhe inspira todas as decisões, e em ter simultaneamente a plena consciência de ser dominada e de ser senhora desta força que a domina.
O marido dá sobretudo importância a que a sua mulher reconheça a sua autoridade, a que ela o consulte, mas, a par disso, não tem interesse em que ela o massacre com todos os detalhes do lar. Quereria que a sua mulher adivinhasse o que ele deseja fazer e as coisas que considera aborrecido estarem a contar-lhe. A mulher dá sobretudo importância a que o seu marido se ocupe dela, se interesse por ela; quer preencher a sua vida e ser tida não somente acima de qualquer outra mulher, mas também de qualquer outro interesse. Por vezes, também os negócios se tornam para ela um inimigo quando tem a impressão de que o seu marido se interessa mais pela própria profissão do que por ela. E é por este motivo que muitas mulheres têm a pretensão de que o seu marido lhes fale do seu trabalho, das suas ocupações profissionais, dos incidentes da profissão, das dificuldades que nela encontra, ainda que pouco percebam, porque vêem nisso, não o interesse do assunto em si, mas a intimidade que têm com o marido, a penetração na sua vida. Pelo contrário, o homem, mais realista e menos sentimental, acha inútil falar à mulher de assuntos que sabe destituídos de interesse para ela, ou mesmo incompreensíveis para os profanos. E, quando se encontra em família, nada tendo que contar, está taciturno, silencioso, aborrecido; porém, logo que encontra colegas com quem possa falar da sua actividade, imediatamente se anima, a sua voz retoma o timbre normal e os seus olhos um novo brilho; e a pobre mulher desolada tem a impressão de que ele a não ama e de que só é feliz com os outros…
Para que a união se realize plenamente, cada um deve ter o cuidado de dar ao outro aquilo de que tem necessidade. Mas compreende-se que, ainda nas melhores famílias, possa acontecer que tanto o marido como a mulher experimentem o desejo de se confiar a um terceiro, que poderá ser um amigo, sobretudo para o marido; a mãe ou a irmã, para a mulher; ou, ainda, para um e outro, um confessor.
Em todo o caso, no matrimónio realiza-se também essa regra fundamental de tudo o que é humano – que a felicidade não se obtém sem esforço. A conformidade de dois seres humanos, o seu bom entendimento, o seu acordo, a união de vida, exigem a conciliação de ambas as partes. E se o homem tem necessidade da mulher e a mulher necessidade do homem, deve-se isso, entre outras razões, às diferenças que os separam, e são essas mesmas diferenças que, explicando a necessidade que um tem do outro, explicam também as dificuldades inerentes à união.
Compreende-se então a inutilidade das discussões acerca da superioridade do homem sobre a mulher ou da mulher sobre o homem. O homem e a mulher são diferentes um do outro e cada um deve encontrar na união o fermento do seu pleno desenvolvimento. Nas relações entre esposos, no que cada um entrega ao outro, não podemos procurar equivalências de acordo com um princípio aritmético. O afecto do marido pela mulher tem um carácter diferente do afecto da mulher pelo marido; também as suas manifestações são diversas. A segurança que a mulher encontra num homem verdadeiramente viril, com a energia e a decisão que caracterizam a virilidade, não é redutível a um denominador comum com o apoio que o homem encontra numa ternura feminina, vigilante e solícita. Segundo uma expressão já gasta, à força de muito usada, e que continua sendo exacta, a mulher é a alma do lar. A sua influência sobre o homem, a quem apoia e estimula, a sua influência sobre os filhos, a acção que através deles exerce sobre toda a evolução humana, é menos visível que a do homem, que aparece desacompanhado na praça pública; mas ninguém pode pesar este género de valores. A influência da mulher sobre o lar é, sem dúvida, maior que a do homem. Uma mulher infiel ao vínculo conjugal e, por conseguinte, infiel ao lar que deve ser o centro da sua vida, causa sem dúvida maior transtorno à família do que a infidelidade do homem; e, se a família é a primeira das instituições de que depende o desenvolvimento da humanidade, o papel da mulher nada fica a dever ao do homem. No entanto, é diferente. Não cabe à mulher desempenhar o papel do homem, nem ao homem desempenhar o papel da mulher. A maior felicidade a que uma mulher pode aspirar no matrimónio é ter um marido que seja verdadeiramente homem, apesar de todas as rudezas e, inclusive, indelicadezas, com que terá de pagar estas qualidades; e aquilo a que de mais precioso pode aspirar um homem é que a sua mulher seja na verdade uma mulher, apesar de todos os aborrecimentos que lhe possa causar a sua afectividade.
O homem precisa, na realidade, dessas qualidades femininas que lhe faltam e a mulher das qualidades masculinas. É uma espécie de apoio que o homem não encontra nos outros homens, nem a mulher nas outras mulheres.
(Jacques Leclercq)