Para esposos vulgares, basta um filho para dar à sua união uma pureza que em si mesma não possui; e se os esposos estão desunidos, o filho constitui muitas vezes o seu único vínculo. Porém, que dizer do filho que nasce dum grande e belo amor?
Porque o filho é o fruto da união; é a bênção do matrimónio, o termo dessa procura de unidade que é a própria essência do amor. O amor que procura a união deve desejar o fruto pelo qual se afirma e atinge a sua plena realização.
Já anteriormente observámos que é no filho e só nele que os pais chegam à união perfeita, porque o filho reúne em si, na sua personalidade única, a dupla personalidade do pai e da mãe, fundidas numa tal unidade, de uma maneira tão harmoniosa que não só se fizeram inseparáveis como também se não pode distinguir já com exactidão o que procede de um e o que procede de outro.
Ter um filho é o desejo natural do amor, porque é ele o seu fim e o seu fruto. A árvore tende para o fruto, o homem tende para uma obra: um filho é o fruto e a obra do amor. Aqueles que são amigos desejam realizar alguma coisa em comum; uma obra comum sela a amizade; o filho é, ao mesmo tempo, o selo e o fruto do amor; acrescenta ao vinculo do amor um novo vínculo que não difere dele, visto que é obra do amor e os pais só tiveram esse filho porque se amavam. O matrimónio que domina toda a vida, o amor estável, tende para a fecundidade. Um grande amor deseja o fruto, frutos, um filho, filhos, filhos numerosos, porque um grande amor aspira a uma fecundidade rica, grande, generosa. Semear a vida é obra suprema. Que grande orgulho semeá-la abundantemente!
O desejo de filhos é, pois, o termo natural do amor. Vê-se isto, por vezes, sob um aspecto de algum modo levado ao absoluto em mulheres de má vida que, habituadas a entregar-se ao primeiro que aparece, sem amor, um dia amam verdadeiramente e exprimem o seu amor dizendo: “Quereria ter um filho deste homem”. Qual não será, pois, o desejo de ter um filho e o vínculo do filho e do amor, quando os esposos se amam profundamente, quando se unem com o pensamento de pôr as suas vidas em comum, de realizar conjuntamente, pela união das suas vidas, uma obra de amor que seja a manifestação da sua união e engrandeça o seu amor; quando esse amor se refere a outros seres, os filhos, dotados de uma personalidade própria, na qual os pais se voltam a encontrar, que devem o ser a que os seus pais se tenham amado; que tornam essa união indissolúvel por uma espécie de necessidade física, porquanto um filho não poderá admitir que os seus pais se separem, e estes não poderão cuidar dele, não poderão continuar a ser seus pais, ao menos sem toldar a sua afeição, senão com a condição de permanecerem unidos!
Os esposos que se amam, amam tudo aquilo que os aproxima e os une. Coisa alguma lhes é tão comum como o filho. Podem ter os seus bens em comum; podem usar o mesmo apelido, podem harmonizar os seus caracteres, poderá uni-los o mais perfeito entendimento; nada, porém, lhes é tão comum e nada os une a tal ponto como o filho.
Os esposos desunidos amam-se a si próprios no seu filho; lamentam, talvez, aquilo que no filho recorda o outro, e se o filho estabiliza a sua união, é porque não podem separar-se sem que o filho seja despedaçado. Mas os esposos unidos continuam a amar-se um ao outro no filho; encontram nele, não só a si próprios, mas a sua união, a unidade que se esforçaram por realizar em toda a sua vida. Cada um deles reconhece no filho o ser que ama, um ser novo que tudo lhe deve, e que ama também com um amor que não se separa daquele a quem o filho deve ter nascido. O matrimónio encontra assim na paternidade e na maternidade o seu desenvolvimento perfeito. O filho completa o enriquecimento da alma que os esposos procuram na sua união.
Contudo, embora o amor paternal não deva andar separado do amor conjugal, e o amor conjugal plenamente desenvolvido tenda para o amor paternal, ambos se conservam distintos, e uma das maiores desordens da vida conjugal reside precisamente em separá-los.
Esta separação encontra-se não só em lares desunidos, mas, por vezes, também em lares tidos por bons e que se consideram como tal. Dá-se o caso, concretamente, de que algumas mulheres a tal ponto se deixam absorver pelo amor maternal que descuram cuidar do seu marido, tal como alguns maridos se desinteressam da vida familiar em favor da sua profissão, e é frequente ver homens que sentem uma espécie de inveja em relação aos filhos, por causa da indiferença que a sua mulher lhes manifesta a partir do dia em que os teve. A ponto de se encontrarem mulheres para quem o marido é, de algum modo, em primeiro lugar o instrumento necessário para ter filhos, e depois, o instrumento necessário para agenciar os recursos que os permitem educar.
Por outro lado, jovens há que, pouco preocupados com o amor, se casam principalmente com vista a ter filhos. E a sua preocupação, ao procurar uma mulher, é principalmente encontrar uma rapariga que seja uma boa mãe, que possa ser a sua colaboradora na obra da educação. É mais frequente dar-se isto entre as raparigas. Muitas vezes se encontram raparigas para quem o homem não oferece realmente nenhum atractivo, que, mais do que isso, têm medo do amor com tudo o que ele traz consigo, mas desejam ter filhos e para quem tudo na vida se resume em ter filhos. E por muito cruel que isto pareça, é preciso notar que algumas mulheres se sentem desafogadas quando se encontram viúvas e com filhos a educar e a amar.
Esta desordem pode não ser mais que uma desordem ligeira, mas pode também redundar em drama. Em muitos lares óptimos, ouve-se, por vezes, dizer ao marido, rindo, que quando os filhos chegam, ele já não existe para a sua mulher. Quando os esposos se amaram verdadeiramente ao unir-se, quando comungam numa mesma concepção de vida e de ideal, o mal não pode chegar a ser grave. Não obstante, é um mal: o filho não deve ser prejudicial ao amor; não deve separar os pais, mas uni-los.
(Jacques Leclercq)